domingo, 18 de dezembro de 2011

"confesso que nunca imaginei poder ser enganado por dados oficiais sobre a real dimensão do nosso défice público"

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Vivemos uma crise económica e de valores. O Estado tem sido “pessoa” de bem?

Há anos que deixou de ser pessoa de bem. Por exemplo, não presta boas contas, mente, esconde despesas, derrapa nos orçamentos, atrasa-se a pagar aos fornecedores correntes; administra mal a justiça; convive com fenómenos de nepotismo, corrupção, economia informal... Faço com mágoa este retrato em tons carregados. E no particular domínio das finanças públicas, estando nós na UE e na ZE, confesso que nunca imaginei poder ser enganado por dados oficiais sobre a real dimensão do nosso défice público, como temos vindo a constatar graças ao trabalho da troika e do actual Governo.

Quais têm sido os principais pecados das entidades públicas?

Quase os mesmos pecados que Salazar apontava em 1929-31. Ele dizia que a vida administrativa do País era uma “mentira colossal”. Era a “mentira das previsões”, ou seja o orçamento, e era a “mentira das contas”, ou seja a execução das despesas... Era o abuso do “crédito para pagar despesas correntes”... Era a tentação de “furtar as despesas a uma fiscalização rigorosa”. Era o despesismo, a “nossa prodigalidade”, o “nosso prazer de gastar”, as “nossas aspirações desmedidas”... Era a falta de qualidade das instituições, a “forte pressão dos nossos defeitos administrativos”, a “nossa desordem administrativa”...

Palavras de há oitenta anos que fantasmagoricamente hoje quase ressuscitam, humilham a democracia e envergonham os órgãos de soberania, todos. Curiosamente, citei-as em 1984 numa conferência que fiz, veja-se a ironia da vida, na Madeira, a respeito do estado das nossas finanças públicas, estava o País a sofrer a 2.ª intervenção do FMI, estava eu longe de me supor na função de ministro das Finanças o que haveria de ocorrer um ano depois, no governo Cavaco Silva.

As entidades reguladoras, nomeadamente o Banco de Portugal e CMVM têm estado à altura dos desafios colocados?

Durante anos a fio, a supervisão do BdP foi permissiva e desatenta. Foi incompetente. O actual governador está, e bem, a corrigir erros, negligências, omissões. A CMVM situa-se noutro campo, com outros meios e outros alcances, penso que tem progredido bem.
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Miguel Cadilhe “Os pecados de hoje são quase os mesmos apontados por Salazar em 1929-31”


Fonte: Jornal ionline, por Isabel Tavares, publicado em 15 Out 2011